Projeto pioneiro de monitoramento do uso de recursos hídricos na agricultura será implantado no Brasil em 2024

Desenvolvida em parceria entre a UFRGS e instituições dos EUA, tecnologia analisa, a partir de métodos de sensoriamento remoto, a quantidade de água que evapora da superfície do solo e da transpiração das plantas

É fácil monitorar a quantidade de água que sai de uma torneira quando aparada em um copo. Para casos de maior escala, como a quantidade de água proveniente de uma chuva, o pluviômetro desempenha o seu papel. Quando se trata de monitorar a água que resulta do vapor de uma chaleira, a tarefa começa a ficar complicada. A complexidade se amplia ainda mais quando o que se pretende monitorar é a evapotranspiração de água da superfície terrestre.

Foto por Marcelo Pires/JU

Pensando em soluções que pudessem contribuir com o uso de recursos hídricos na agricultura em regiões áridas, pesquisadores de universidades dos Estados Unidos e do Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) desenvolveram o projeto OpenET, que monitora a quantidade de água que evapora da superfície do solo e das plantas por meio da transpiração (evapotranspiração) a partir de métodos baseados em sensoriamento remoto.

Lançada em 2021, a plataforma OpenET é uma parceria público-privada desenvolvida por instituições e universidades estadunidenses, tais como a NASA (Agência Espacial Americana), o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, o Google, a Universidade Estadual da Califórnia, a Universidade de Nebraska-Lincoln, com a participação da UFRGS. A universidade brasileira é a única instituição de fora dos Estados Unidos a integrar o projeto.

Em janeiro deste ano, foi publicado na revista Nature Water um artigo com resultados sobre a acurácia do projeto, tida como aceitável. Nesta semana, as instituições participantes anunciaram a implantação do OpenET no Brasil, que deve ocorrer ainda em 2024, em parceria com a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA).

“Esse artigo analisa a acurácia dos modelos, o quão certos estão ou até quanto eles desviam ou se afastam dos dados medidos”, explica o professor do IPH Anderson Ruhoff, um dos integrantes do projeto. Os modelos em questão têm como base equações cujo propósito é simular os processos físicos que ocorrem na superfície e na atmosfera da Terra.

Ao todo, o projeto utiliza seis modelos, sendo que um deles foi desenvolvido pelo Grupo de Pesquisa em Hidrologia de Grande Escala (HGE) da UFRGS, liderado pelo docente. “Tem modelo que calcula uma coisa, outro que calcula outra coisa, mas o resultado é sempre a evapotranspiração”, explica Anderson. Antes de integrar o time de pesquisadores do OpenET, o professor já desenvolvia estudos similares na gestão de recursos hídricos em parceria com a ANA.

“Esses modelos usam dados de satélites, combinando-os com dados meteorológicos, como a temperatura do ar, insolação, quantidade de radiação solar e umidade relativa, por exemplo. A gente combina tudo isso nesses modelos matemáticos e consegue saber quanta água tá evaporando”, diz Anderson Ruhoff.

Responsável pelo desenvolvimento do projeto na UFRGS, a equipe do HGE é composta por graduandos, pós-graduandos, professores e pesquisadores associados (Foto por Marcelo Pires/JU)

Da superfície à nuvem

Para garantir a produção de alimentos em regiões em que presença de água é escassa, a irrigação é um método comumente utilizado por agricultores em lavouras. Pelo fato de a aridez ser característica do Oeste dos Estados Unidos, o desenvolvimento dos modelos do projeto e sua posterior aplicação foram realizados primeiramente nessa região. Quando a condição de determinado lugar é de seca, a quantidade de água disponível para irrigação diminui. Essa escassez demanda medidas de gerenciamento do volume disponível, o que pode complicar o trabalho de quem necessita do recurso. Conflitos podem surgir no momento em que diferentes profissionais quiserem fazer uso da água para diferentes finalidades, tais como produção de energia elétrica, produção de alimentos ou abastecimento urbano.

“Se tu tem as informações [da quantidade de água] é possível fazer o gerenciamento adequado”, aponta Anderson. Ele explica que uma das informações difíceis de se obter é sobre a quantidade de água utilizada na agricultura irrigada. “Muitas vezes a gente não tem como saber quanto um produtor tá usando de água, quanto ele tá tirando de um rio, de um lago, de água subterrânea e colocando na lavoura dele.” Foi essa ausência de informação que uniu as instituições para criar um projeto que monitorasse a quantidade de água utilizada na agricultura.

Por se tratar de uma informação pública, qualquer pessoa pode acessá-la. Essa forma de acesso amplo só é possível graças à tecnologia de armazenamento em nuvem, garantida ao grupo pelo Google. Antes dessa tecnologia, realizar esses processos de maneira computacional era pesado demais para a capacidade dos hardwares. A partir dela, foi possível rodar múltiplos modelos ao mesmo tempo, permitindo a comparação entre eles e a consequente análise de acurácia.

OpenET no Brasil e internacionalização

A colaboração da UFRGS no desenvolvimento do projeto nos últimos cinco anos colocou o Brasil como primeira opção na fase de expansão pelo mundo. O investimento que o país faz em irrigação também é um motivo. De acordo com Anderson, a ideia é que os grupos de pesquisa locais se organizem para atuar com apoio do OpenET. “Eles [patrocinadores] vão apoiar a execução do projeto no país, mas os responsáveis seremos nós, a gente vai decidir as questões dos modelos, da acurácia, da avaliação, todos os critérios que vão ser usados para implementar o projeto no Brasil”, comenta o professor. A execução do OpenET no país vai ficar a cargo da UFRGS e da ANA.

A expectativa para o Brasil é de que os resultados sejam similares aos resultados obtidos nos Estados unidos. Espera-se que o projeto contribua com a prevenção de queimadas naturais a partir do monitoramento dos níveis de água nas árvores e no solo, e também com a estimativa da quantidade de água utilizada em irrigação, beneficiando agricultores e o meio ambiente. “A gente também consegue ver a acessibilidade de vegetações nativas [em relação] às mudanças climáticas, o quanto elas estão sofrendo com o aumento das temperaturas, com a redução das chuvas em algumas partes do Brasil”, diz o doutor em Recursos Hídricos pela UFRGS Bruno Comini de Andrade, um dos pesquisadores do projeto.

Outro cientista envolvido é Leonardo Laipelt, doutorando em Recursos Hídricos na UFRGS e que trabalha com o OpenET desde a graduação, época em que foi bolsista de iniciação científica sob orientação de Anderson. Desde o trabalho de conclusão de curso, centrado no desenvolvimento do modelo brasileiro utilizado, até o mestrado, em que estudou a aplicação do modelo e fez estudo de caso envolvendo desmatamento e mudanças de uso e cobertura da terra na Amazônia, o OpenET tem sido um pilar na carreira do engenheiro ambiental. O caminho do doutorado é o estudo da implantação do projeto no Brasil, o mesmo caminho seguido por Bruno em seu pós-doutorado. Ambos são membros do HGE.

Texto: Alexandre Briozo Gomes Filho

Edição: Notícia dos Vales