Estudo investiga o papel dos insetos na preservação de fósseis do Triássico Superior

Conjunto de oito imagens apresentam traços de bioerosão nos fragmentos de ossos de um rinossauro.
Fotos dos traços de bioerosão nos fragmentos de ossos de rincossauro. (Foto: Luís Flávio Lopes/Instituto de Geociências da UFRGS)

Foi uma paixão antiga que motivou Lucca Cunha, doutorando do PPG Geociências da UFRGS, a definir o tema de pesquisa da sua dissertação. “Desde criança eu amava dinossauros, aquela coisa bem clichê”. Formado em Geografia pela mesma universidade, no mestrado o pesquisador seguiu um caminho diferente do previsto pela graduação: estudar paleontologia.

Dentro da ciência que se debruça sobre os seres antigos, os fósseis são comumente classificados em dois grandes grupos: somatofósseis, formados por meio de estruturas dos organismos, como ossos e dentes, e icnofósseis, formados por marcas de atividade, como pegadas. Foi nessa segunda classificação que o pesquisador desenvolveu o seu estudo. Orientado pelo professor Heitor Francischini, Lucca pesquisou os traços de bioerosão em ossos de rincossauro do Triássico Superior (período geológico em que surgiram os primeiros dinossauros).

Uma pesquisa singular

A icnologia é o campo da ciência que estuda diferentes tipos de vestígios deixados por seres vivos, como pegadas, marcas, ninhos e tocas. Uma área da icnologia que geralmente recebe pouco destaque é a bioerosão: um substrato duro destruído por ação de um organismo. Na pesquisa de Lucca, a hipótese desenvolvida era de que os traços encontrados provinham de insetos. “Fomos estudar para entender que tipo de ação que pode ter causado esse traço e o que tudo isso poderia significar pro estudo do Triássico”, explica.

Segundo ele, “a única forma de saber que eles [os insetos] estavam ali é através da sua atividade”. Isso decorre de esses animais não serem preservados em somatofóssil, ou seja, não há restos dos seus corpos encontrados. Para o pesquisador, esse estudo é importante porque “é a maneira de conseguirmos saber o papel desses animais dentro desses ecossistemas”. Apesar dos estudos desta era geológica serem amplamente representados por dinossauros e animais maiores, os insetos também eram uma parte muito importante da vida no passado remoto da Terra.

Descobertas históricas

Representação da ação de insetos em carcaça de rincossauro (Ilustração: Zeinner de Paula)

Foi em uma saída de campo para o Sítio Buriol que Heitor coletou os fragmentos que, mais tarde, serviriam de base para a pesquisa de Lucca. Localizado em São João de Polêsine, na região central do RS, o sítio possui grande relevância científica internacional, dado o registro de alguns dos mais antigos dinossauros do mundo. Em 2021, o Guinness World Records reconheceu que os dinossauros mais antigos já encontrados são os descobertos no Rio Grande do Sul.

Depois de observar minuciosamente os 520 fragmentos, com o auxílio de lupa e fotografias, Lucca constatou que 29 deles tinham traços de bioerosão. Como acontece na taxonomia, que nomeia e classifica os seres vivos, na icnologia os traços também recebem nomes científicos. Dessa forma, é mais fácil comparar e pesquisar a atividade dos organismos. Um dos aspectos mais importantes da pesquisa é que essa é a ocorrência mais antiga dos dois icnotáxons identificados: Osteocallis e Amphifaoichnus.

As duas classificações denotam tanto aspectos estruturais diferentes como a maneira dos traços de serem produzidos. O Osteocallis, por exemplo, é um traço que se referiria a um osso que, quando sofreu a bioerosão, estaria exposto. O Amphifaoichnus, por outro lado, indicaria uma ação enquanto o osso estava soterrado.

No trabalho, Lucca questiona se ambos não poderiam ter sido feitos concomitantemente de forma subterrânea, o que poderia indicar uma complexidade de comportamento muito antiga desses insetos. O pesquisador explica que, quando o osso está em subsuperfície, é muito mais difícil dele ser destruído. Diante disso, “se os insetos atacavam o osso soterrado, a importância deles na preservação ou destruição dos ossos é muito maior do que imaginavámos”.

Uma ciência mais acessível

Para tornar o trabalho mais tangível, a pesquisa também contou com uma ilustração do paleoartista Zeinner de Paula. Embora também seja uma expressão artística singular, a paleoarte abarca uma enorme rigorosidade científica. Segundo o ilustrador, foram em torno de 90 horas de dedicação ao trabalho do Lucca – um processo que incluiu muita pesquisa, esboços e diálogos com o pesquisador. “Cada pincelada é intencional”, afirma.

Para Zeinner, as ilustrações são a principal forma de “colocar a cara da ciência para o público”: “às vezes eu leio 20, 30 artigos diferentes para condensar em uma paisagem”. Segundo ele, a paleoarte é uma maneira mais acessível de divulgação científica, já que é capaz de atrair mesmo quem não tem tanta afinidade com os artigos científicos. “Muitas vezes [os artigos] estão em inglês e não são acessíveis para o público geral, então eu vejo como uma ferramenta para isso”, explica o artista.

O legado da pesquisa

O trabalho desenvolvido por Lucca é um dos primeiros a adentrar profundamente a pesquisa sobre bioerosões em ossos por insetos. Segundo ele, essa questão, quando abordada, geralmente é apenas mais um dado de aspectos gerais das pesquisas. Diante disso, as hipóteses desenvolvidas no estudo puderam ser mais elaboradas que as propostas anteriormente.

No doutorado, Lucca segue desenvolvendo pesquisas sobre bioerosões em ossos. Dessa vez, também as feitas por outros tipos de organismos. Conforme explica, o estudo desenvolvido para a dissertação abre margem para que trabalhos futuros possam se aprofundar na temática e explorar além dos aspectos mais comuns dessa área. “Do ponto de vista científico, ambos são importantes para conseguirmos entender todo esse contexto”, finaliza.

*Imagem: Representação da ação de insetos em carcaça de rincossauro. (Ilustração por Zeinner de Paula, encomendada pelo autor)

Texto por: Carolina Paz Comerlatto 

Edição do texto: Notícia dos Vales


Receba notícias no seu WhatsApp. Clique aqui para entrar no nosso canal ou aqui para participar dos grupos de notícia.