Descoberta de novas espécies de besouro impulsiona avanço da ciência forense

A espécie de besouro 𝘈𝘭𝘦𝘰𝘤𝘩𝘢𝘳𝘢 𝘤𝘢𝘱𝘪𝘵𝘪𝘯𝘪𝘨𝘳𝘢 foi coletada em Rio Branco, capital do Acre – Foto por Divulgação/UFPR 

Insetos pertencentes à ordem coleóptera, que parasitam moscas, desempenham um papel científico crucial na solução de crimes envolvendo cadáveres. Dois tipos desses foram recentemente identificados por pesquisadores do Laboratório de Estudos em Coleoptera da UFPR, localizado em Palotina.

Mais de 2,5 mil quilômetros separam a origem de duas novas espécies de besouros descobertas por cientistas da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Encontradas em áreas de floresta fragmentada próximas a centros urbanos, as espécies do gênero Aleochara pertencem à família Staphylinidae, comumente estudada em pesquisas forenses.

A espécie Aleochara capitinigra, caracterizada por possuir a cabeça de coloração preta, foi encontrada na capital do estado do Acre. Em contraste, em três cidades paranaenses — Campina Grande do Sul, Ponta Grossa e Tibagi — foram registradas a espécie Aleochara leivasorum, distinta na porção final do abdome e nas peças utilizadas na cópula, consideradas muito úteis na identificação.

As descobertas nas regiões dos biomas Amazônia e Mata Atlântica destacam como essas áreas, mesmo degradadas, atuam como refúgio para parte da fauna brasileira.

Ambas as espécies apresentam um comportamento peculiar, sendo ectoparasitas de pupas de moscas encontradas sob a casca que se forma na camada externa da pele das larvas durante a metamorfose de larva para a fase adulta da mosca. Ao encontrar uma pupa de mosca, a larva do besouro abre um orifício de entrada, fecha-o com suas próprias fezes e se alimenta da pupa.

Segundo os pesquisadores, o hábito de predar moscas enquanto são larvas torna esses besouros reguladores naturais das populações de moscas no ambiente.

Essas descobertas são resultado do trabalho do grupo de pesquisa CNPq denominado “Biodiversidade de Staphyliniformia (Insecta, Coleoptera)”, que busca compreender a biodiversidade de alguns grupos de besouros, especialmente os encontrados no Brasil. Essa pesquisa é conduzida desde 2010 no Setor Palotina da UFPR, no Oeste do Paraná, pelo Laboratório de Pesquisas em Coleoptera (Lapcol).

Os resultados também fazem parte da pesquisa de mestrado de Bruna Caroline Buss no Programa de Pós-Graduação em Ciências Biológicas com ênfase em Entomologia da UFPR. Ela é a principal autora do artigo “Revisão das espécies brasileiras de Aleochara Gravenhorst do subgênero Xenochara Mulsant & Rey (Coleoptera: Staphylinidae: Aleocharinae)”, publicado no periódico internacional Zootaxa.

Conforme explicado pelo professor orientador, Edilson Caron, a descoberta das duas novas espécies em áreas próximas às cidades destaca a importância da pesquisa contínua para catalogar a biodiversidade local e avançar nos estudos sobre a relevância ecológica de cada espécie, sua distribuição e funções em relação às outras espécies.

“As espécies encontradas pertencem a um grupo de besouros que desempenham um papel importante na regulação natural das populações de moscas. Agora, após a descoberta dessas novas espécies de besouros, o desafio é estudar quais espécies de moscas são utilizadas para completar o ciclo de vida do besouro”, explica ele à Ciência UFPR.

A espécie descoberta no Paraná — Aleochara leivasorum — foi nomeada em homenagem ao professor Fernando W. T. Leivas, do Programa de Pós-graduação em Ciências Biológicas, e sua família, proprietários da área onde o exemplar foi coletado. A nomenclatura é derivada do sobrenome do professor acrescido do sufixo -orum, em latim.

O nome da espécie encontrada em Rio Branco, Aleochara capitinigra, refere-se ao termo “cabeça preta” em latim.

Segundo Bruna, a descrição de novas espécies e a revisão de espécies já conhecidas são fundamentais para fornecer dados para outros trabalhos.

“As espécies que descrevi pertencem à família Staphylinidae, muito estudada em pesquisas forenses. Uma revisão e descrições atualizadas de espécies podem facilitar esse tipo de estudo”, afirma.

A pesquisadora defendeu sua tese de mestrado em 2020 e começou o doutorado no ano seguinte. Atualmente, ela está analisando em sua tese a filogenia molecular, utilizando dados moleculares (sequências de DNA de cinco genes) para definir o posicionamento filogenético de outra subfamília de besouros, a Piestinae.

O ciclo de vida e o comportamento dos besouros contribuem para a compreensão das circunstâncias de assassinatos. A aplicação de insetos em estudos forenses, que utilizam conhecimentos científicos para investigar crimes e questões legais, é diversificada.

Conforme Caron, a entomologia forense emprega insetos para responder diversas questões, como a presença de insetos em uma estrutura, em produtos (alimentos), em casos de maus-tratos a pessoas e animais, ou na resolução de mortes violentas. A identificação precisa das espécies é fundamental para esses casos.

Os besouros do gênero Aleochara atuam como reguladores naturais das populações de moscas necrófagas, que são os primeiros indivíduos a localizar e colonizar um cadáver, por exemplo. As moscas iniciam a colonização depositando ovos, dos quais surgem larvas que se alimentam do cadáver.

A existência das larvas de moscas atua como um atrativo para os besouros analisados pelo grupo.

“Dessa forma, em um corpo com horas de exposição já temos insetos e besouros. O besouro que analisamos faz parte dessa fauna e, conhecendo o nome da espécie, podemos progredir na pesquisa de ciclo de vida, comportamento, e, se necessário, tentar responder alguma questão judicial”, afirma o pesquisador.

As informações do estudo podem ajudar, por exemplo, a elucidar quanto tempo o corpo ficou exposto (intervalo post mortem), se houve deslocamento do corpo ou ainda a natureza da morte, envolvendo ou não o uso de substâncias tóxicas.

“No nosso trabalho realizamos a primeira etapa, identificamos e separamos as espécies de um conjunto de besouros com potencial de interesse forense. Daqui para frente, novas pesquisas devem progredir para que esses insetos recém descobertos possam efetivamente contribuir no âmbito forense”, conclui o docente.

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Texto por Aline Fernandes França/UFPR 

Edição: Notícia dos Vales