Estudo aponta mudança climática como causa da seca amazônica

A seca prejudicou sobretudo as comunidades ribeirinhas. Foto por Mídia Ninja.

A mudança climática causada pelo ser humano foi a principal causa da seca histórica que atingiu a região Amazônica em 2023, enquanto o El Niño – fenômeno climático natural que geralmente traz condições secas para a região – teve uma influência muito menor. A conclusão faz parte da análise rápida de atribuição realizada pelo World Weather Attribution (WWA), grupo internacional de cientistas especializados em pesquisas sobre o clima, do qual faz parte a pesquisadora Regina Rodrigues, professora de Oceanografia Física e Clima da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). O estudo está disponível aqui.

Os cientistas do WWA constataram que a mudança climática está reduzindo a precipitação e aumentando o calor na Amazônia, o que foi responsável por tornar a estiagem sem precedentes de 2023 cerca de 30 vezes mais provável do que ocorreria apenas pela ação do El Niño. “À medida que o clima se aquece, uma potente combinação de diminuição da precipitação e aumento do calor está impulsionando a seca na Amazônia”, explica Regina

A Amazônia é a maior floresta tropical do mundo, uma das regiões com maior biodiversidade do planeta e o mais importante sumidouro de carbono terrestre, tornando-a crucial para a estabilidade do clima global. As mudanças climáticas e no uso da terra estão levando a floresta em direção a um estado mais seco, o que causaria uma grande morte de árvores e liberaria grandes quantidades de dióxido de carbono na atmosfera, aquecendo ainda mais o planeta.

Desde meados de 2023, a Bacia Amazônica tem enfrentado uma intensa seca, impulsionada pela baixa precipitação e pelo calor persistente. Rios em algumas regiões atingiram seus níveis mais baixos em mais de 120 anos, impactando milhões de pessoas. Comunidades ribeirinhas foram as mais afetadas, com a seca resultando em problemas de saúde, perda de renda, escassez de alimentos e água potável e falhas nas colheitas.

A seca também contribuiu para a propagação de incêndios florestais e causou poluição do ar devido à fumaça. As altas temperaturas da água também foram associadas a uma grande morte de vida fluvial, incluindo a morte de mais de 150 golfinhos cor-de-rosa ameaçados de extinção. 

Regina afirma que a Amazônia pode ser decisiva em nosso combate contra as mudanças climáticas: “Se protegermos a floresta, ela continuará a agir como o maior sumidouro de carbono terrestre do mundo. Mas se permitirmos que as emissões induzidas pelo ser humano e o desmatamento a levem ao ponto de ruptura, ela liberará grandes quantidades de dióxido de carbono, complicando ainda mais nossa luta contra as mudanças climáticas. Para proteger a saúde da Amazônia, precisamos preservar a floresta tropical e nos afastar dos combustíveis fósseis o mais rápido possível.”

O estudo foi conduzido por 18 membros do grupo World Weather Attribution, incluindo cientistas de universidades e agências meteorológicas no Brasil, Holanda, Reino Unido e Estados Unidos. O trabalho completo está disponível aqui.

Incêndio na Amazônia, entre os muitos registrados em 2023. Foto por Reprodução/UFSC

Metodologia

Para quantificar o efeito das mudanças climáticas na seca, os cientistas analisaram dados meteorológicos e simulações de modelos para comparar o clima como está hoje, após cerca de 1,2°C de aquecimento global, com o clima mais frio pré-industrial, seguindo métodos revisados por pares.

O estudo concentrou-se na Bacia Amazônica e examinou a seca ao longo de um período de seis meses, de junho a novembro de 2023. Os pesquisadores investigaram dois índices comumente usados para avaliar a gravidade da seca. O primeiro é o Índice Padronizado de Precipitação (SPI), que leva em consideração a baixa precipitação e foi utilizado pelos pesquisadores para medir a seca meteorológica, auxiliando no planejamento do gerenciamento da água. O segundo é o Índice Padronizado de Precipitação e Evapotranspiração (SPEI). Ele considera tanto a baixa precipitação quanto a evapotranspiração – a evaporação da água de plantas e solos impulsionada por altas temperaturas – e foi utilizado pelos pesquisadores para medir a seca agrícola. Embora a seca agrícola reflita mais de perto os impactos humanos da seca, estudar ambos os índices ajuda a compreender quais fatores climáticos estão impulsionando o evento.

Os pesquisadores também analisaram a possível influência do Fenômeno El Niño-Oscilação Sul (ENSO), um fenômeno climático natural que alterna entre as fases El Niño, neutra e La Niña. Na segunda metade de 2023, o ENSO entrou em uma fase de El Niño, comumente associada a menores índices de chuva e temperaturas mais altas na Amazônia.

A modelagem estatística foi utilizada para separar as influências do El Niño e das mudanças climáticas na seca. Os pesquisadores descobriram que tanto o El Niño quanto as mudanças climáticas reduziram a quantidade de chuva em aproximadamente a mesma proporção. No entanto, o aumento nas altas temperaturas foi impulsionado quase que inteiramente pelas mudanças climáticas, o que significa que, embora o El Niño tenha agravado a seca, as mudanças climáticas foram o principal impulsionador e, crucialmente, com o clima continuando a se aquecer, o efeito das mudanças climáticas está aumentando enquanto o El Niño oscila e não se espera que se fortaleça ou enfraqueça.

Resultados

Uma análise de dados meteorológicos históricos constatou que a atual seca na Amazônia é um evento excepcional. No clima atual, com 1,2°C de aquecimento global, podem ser esperadas secas meteorológicas semelhantes, com precipitação muito baixa, aproximadamente a cada 100 anos, enquanto secas agrícolas semelhantes, com baixa precipitação e alta evapotranspiração, podem ser esperadas aproximadamente a cada 50 anos. Os dados históricos também indicam que a precipitação de junho a novembro na Amazônia está diminuindo à medida que o clima se aquece.

O aumento das temperaturas está desempenhando um papel crucial nas secas na Amazônia. Combinando observações meteorológicas e modelos climáticos, os pesquisadores descobriram que as mudanças climáticas tornaram a baixa precipitação dez vezes mais provável e a seca agrícola cerca de 30 vezes mais provável.

Com base na escala do Monitor de Secas dos Estados Unidos, uma forma de classificar a seca, em 2023, a Amazônia experimentou uma “seca excepcional”. Em um mundo 1,2°C mais frio, sem as mudanças climáticas causadas pelo ser humano, a seca teria sido muito menos intensa e classificada como uma “seca severa”, o que significa que as emissões de gases do efeito estufa provenientes da queima de petróleo, gás e carvão transformaram a seca em um evento devastador.

Até que os seres humanos parem de queimar combustíveis fósseis, as secas na Bacia Amazônica continuarão a se tornar mais frequentes e severas. Se o aquecimento global atingir 2°C, períodos semelhantes de precipitação extremamente baixa se tornarão quatro vezes mais prováveis, esperados para ocorrer cerca de uma vez a cada 33 anos. Secas agrícolas semelhantes se tornarão três vezes mais prováveis, esperadas para ocorrer cerca de uma vez a cada 13 anos. Esta descoberta destaca como o aumento das temperaturas, impulsionado quase que inteiramente pelas mudanças climáticas, está aumentando significativamente a probabilidade de secas na Amazônia.

O estudo destaca que as comunidades diretamente dependentes de cursos d’água foram as mais impactadas pela seca. Níveis extremamente baixos dos rios limitaram a capacidade das pessoas de viajar de barco, acessar água potável, cultivar safras, pescar e comprar e vender mercadorias.

Uma história de desmatamento para agricultura e expansão urbana agravou a seca. A remoção e degradação da vegetação reduzem a capacidade do solo de reter água, tornando muitas regiões da Amazônia particularmente suscetíveis à seca.

Com a previsão de intensificação da seca na Amazônia até que as emissões globais sejam reduzidas a zero líquido, os pesquisadores afirmam que governos e comunidades devem se planejar para secas mais frequentes no futuro, envolvendo agricultores, comunidades indígenas e outros interessados locais.

Pesquisadora em entrevista à BBC – Foto por Reprodução/UFSC

O estudo teve repercussão internacional

A repercussão dos dados foi internacional. A BBC, empresa de comunicação pública britânica, destacou que a seca recorde na Amazônia foi impulsionada pelas mudanças climáticas. Ao site e à televisão, Regina disse que a Amazônia tem papel central frente às discussões sobre mudanças climáticas. Isso porque, quando saudável, ela absorve o dióxido de carbono, mas com o desmatamento desenfreado é possível que chegue a um ponto de não retorno.

A professora também falou sobre o estudo ao The Guardian, que destacou que a seca devastadora na Amazônia é resultado da crise climática. A professora lembrou, em entrevista, que se protegermos a floresta ela continuará a funcionar como o maior sumidouro de carbono terrestre do mundo. “Mas se permitirmos que as emissões induzidas pelo homem e o desmatamento a empurrem para o ponto de não retorno, serão libertadas grandes quantidades de CO2. Precisamos proteger a floresta tropical e abandonar os combustíveis fósseis o mais rápido possível”, argumentou.

A professora também repercutiu o assunto ao Financial Times e ao The Washignton Post. No Brasil, o Jornal Nacional, da TV Globo, também deu destaque às constatações dos cientistas. “Temos que fazer uma transição para energias limpas, renováveis e também reduzir o desmatamento, que gera muito CO2. O Brasil, se reduzir o desmatamento, já reduz 40% dessas emissões”, disse à emissora brasileira.

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Edição: Notícia dos Vales