Pesquisadores propõem medidas de mitigação e manejo de colisões entre aves e aeronaves

Em 2009, o choque com gansos parou os dois motores de uma aeronave nos Estados Unidos. O veículo, que levava 150 passageiros e 5 tripulantes, teve de efetuar um pouso de emergência no Rio Hudson, em Nova York – a história virou até filme. No Brasil, esse tipo de colisão – de pássaros com aviões – acontece a cada quatro horas, mas ainda faltam pesquisas que estabeleçam uma compreensão ampla sobre o assunto.

Foi a curiosidade em relação a esses eventos que motivou Rodrigo Souza Torres a definir o seu objeto de pesquisa. Durante o mestrado no Programa de Pós-graduação em Biologia Animal (PPGBAN) na UFRGS, o pesquisador buscou se aprofundar na relação entre a avifauna e a aviação civil no Brasil. “Meu objetivo era entender o que hoje em dia se tem de conhecimento sobre isso”, inicia.

Número de colisões com fauna reportados entre 2012 – 2021 mostra a tendência de crescimento dessas ocorrências. Fonte: CENIPA. Adaptado por Rodrigo Torres (autor da pesquisa).

Noções iniciais

Mais conhecidas pelo termo em inglês “bird strike”, as colisões entre aves e aeronaves são muito comuns e têm aumentado nos últimos dez anos, conforme dados do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (CENIPA). Esses incidentes estão principalmente relacionados ao aumento do tráfego aéreo e à adaptação das espécies ao ambiente urbano e aeroportuário.

Em entrevista dada ao G1, o comandante de aviões comerciais Fernando Crescenti afirmou que os impactos de uma colisão com aves são pequenos em uma aeronave comercial: “A maioria dos casos não significa absolutamente nada”. Segundo Rodrigo, apesar de haver legislação sobre o assunto, ainda impera uma maneira antropocêntrica de pensar a problemática. “Desde o início da aviação se tem essa preocupação, mas mais para uma visão de segurança de quem utiliza o transporte do que das espécies.”

Orientado pelo professor Caio José Carlos, o pesquisador dividiu seu estudo em duas partes. A primeira abrangeu uma revisão bibliográfica sobre o tema, em que mais de 70 artigos foram pré-selecionados para guiar a pesquisa. Na segunda parte, o foco foi produzir uma análise de colisões feitas a partir dos relatórios da CENIPA, de 2012 a 2021. Com perspectivas detalhadas sobre os incidentes, Rodrigo realizou constatações importantes, como as espécies mais afetadas, os locais em que há mais riscos de ocorrência e as variâncias entre as estações do ano.

Focos atrativos

Um aspecto destacado pelo pesquisador é que “os aeroportos estão dentro da zona urbana, e as espécies estão se adaptando”. Segundo os dados analisados, a maioria dessas colisões ocorre no ambiente do aeroporto ou em suas proximidades, durante as fases de decolagem, aproximação e pouso. Isso porque os aeródromos muitas vezes são focos atrativos para a fauna local. A vegetação existente nas pistas, além dos entornos com pontos de alimentação, são aspectos que explicam a presença não só de aves, mas da fauna em geral, que busca alimento, abrigo, segurança e descanso.

Na cidade de Porto Alegre, por exemplo, há um centro comercial, com diversos restaurantes, localizado abaixo da cabeceira 11 do Aeroporto Internacional Salgado Filho. Propagandeado como o melhor local para observação de aviões da região, o estabelecimento destoa da recomendação de especialistas, que orientam minimizar os atrativos para a fauna em uma área de pelo menos 8 km ao redor dos aeroportos. A maior concentração de colisões entre aves e aviões no Brasil ocorre nos principais aeroportos localizados nas regiões Sul e Sudeste do país, incluindo o Salgado Filho. “A gente não está mensurando o quanto a aviação está afetando essas comunidades”, pontua o pesquisador.

A importância dos dados

Ainda que estejam em uma tendência de crescimento, estima-se que apenas 31% desses incidentes sejam relatados. Haja vista que a informação dos relatos é um dos pilares para a resolução da problemática, a lacuna de dados prejudica o desenvolvimento de caminhos que busquem contribuir para melhorias nesse contexto. Relatos de colisões e a identificação das espécies envolvidas são essenciais para obter estatísticas confiáveis, visando à efetividade dos planos de gerenciamento de risco de fauna, melhoria de projetos e componentes de aeronaves, tornando possível subsidiar planos de manejo ambiental.

Segundo Rodrigo, “precisamos estar com as equipes capacitadas dentro dos aeroportos”, e ele avalia que estamos nesse caminho. Conforme explica, a tendência é de que, com a utilização da tecnologia, se possa melhor monitorar e mitigar esses riscos. O uso de radar avícola e previsão de migração de pássaros no gerenciamento do espaço aéreo, bem como o desenvolvimento de sistemas de iluminação de aeronaves para melhorar a detecção e evitar colisões, podem configurar um caminho efetivo.

Dessa forma, não só os possíveis prejuízos econômicos ou perigos relacionados a esses acidentes podem ser evitados, como também a proteção desses animais. Nesse sentido, a pesquisa apresentada, a destacar-se pelos resultados das análises utilizando os dados de colisões do CENIPA, pode ser muito benéfica para o conhecimento do perigo aviário no território nacional. Além disso, também é um passo importante para direcionar programas de gerenciamento do risco de fauna, visando à diminuição de colisões e acidentes. O trabalho estará disponível na íntegra, em breve, no Lume – Repositório Digital da UFRGS.

Edição do texto: Notícia dos Vales

Foto da capa: Rovena Rosa/Agência Brasil

Texto: Carolina Paz Comerlatto/Jornal da UFRGS


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